domingo, 21 de dezembro de 2008

sobre a consciência- Bergson/Bochenski.shtml

Henri Bergson

Guarde ou compartilhe este endereço
Imprimir Indicar

HENRI
por J. M.

Tradução de Antônio Pinto de Carvalho.
in A Filosofia Contemporânea Ocidental.
Herder, São Paulo, 1968

A. PROCEDÊNCIA E PARTICULARIDADES. HENRI (1859-1941) é o representante mais conceituado e original da nova "filosofia da vida", a qual dele recebeu a forma mais acabada. Contudo, embora mais tarde se tenha posto à testa do movimento, não se pode dizer que tenha sido ele o seu fundador. Na própria França, a Action de BLONDEL precedeu o Essai sur les données immédiates de Ia conscience de . e também LE ROY, que mais tarde seria discípulo de , já anteriormente se havia manifestado contra o . Todo este movimento está em relação com a tendência espiritualista, voluntarista e personalista da , que, iniciada por MAINE DE BIRAN, foi em seguida representada por Félix RAVAISSON-MOLLIEN (1813-1900), JULES LACHELIER (1832-1918) e ÉMILE BOUTROUX (1845-1921), de quem foi discípulo. Contudo, não se deixou ifluenciar somente por estes filósofos, mas também pela "critica da ciência". Além disso, tomou igualmente muitas idéias das teorias evolucionistas e utilitaristas inglesas; ele próprio confessa que, de início, só a filosofia de HERBERT SPENCER lhe parecia ajustar-se à realidade, e sua própria filosofia proveio da tentativa de aprofundar os fundamentos do sistema spenceriano.

Contudo, semelhante tarefa levou-o finalmente a repudiar completamente o spencerismo, que não cessou de combater daí em diante. A atividade especulativa de exerceu-se, sobretudo, em quatro obras que mostram claramente sua evolução espiritual. O Essai sur les données immédiates de Ia conscience (1889) contém a sua teoria do conhecimento; Matière et Mémoire (1896) sua psicologia, L’Évolution créatrice (1907) sua fundada na biologia especulativa, Les deux sources de la Morale et de la Religion (1932) sua ética e filosofia da . Todas estas obras tiveram êxito extraordinário, que se explica não só porque expunha uma filosofia realmente nova e que correspondia às necessidades mais prementes da época, mas também porque a exprimia numa linguagem de rara beleza. Por esse motivo lhe foi atribuído, em 1927, o prêmio Nobel de literatura. A uma prodigiosa clareza, a uma artística matização das expressões e a uma impressionante potência de imaginação, alia ele extraordinária gravidade filosófica e uma acuidade dialética sem par. Além disso, suas obras apóiam-se em conhecimentos sólidos, adquiridos à custa de amplas e árduas pesquisas. Por tudo isto, foi capaz de superar, a um tempo, o positivismo e o idealismo do século XIX. É um dos pioneiros do novo de nosso tempo.

B. DURAÇÃOE INTUIÇÃO. Segundo a concepção do senso comum, admitida igualmente pela ciência, as propriedades do mundo são a extensão, a multiplicidade numérica e o determinismo causal. O mundo compõe-se de corpos sólidos extensos, cujas partes se encontram espacialmente justapostas; é caracterizado por um espaço totalmente homogêneo e por separações precisas, e todos os acontecimentos são de antemão determinados por leis invariáveis. A ciência da natureza nunca considera o movimento, mas só as posições sucessivas dos corpos; nunca as forças, mas só os seus efeitos; a imagem do mundo traçada pela ciência natural carece de dinamismo e de vida; o tempo, tal como o encara a ciência, não é, em última instância, senão espaço; e quando a ciência natural pretende medir o tempo, na realidade não mede senão o espaço.

Todavia, podemos descobrir em nós mesmos, embora com esforço, uma realidade inteiramente diferente. Esta realidade possui uma intensidade puramente qualitativa, compõe-se de elementos absolutamente heterogêneos, que, entretanto, se interpenetram, de sorte que não é possível discriminá-los claramente uns dos outros; e, por último, esta realidade interior é livre. Não é espacial nem calculável; de fato, não somente ela dura, senão que é duração pura, e, como tal, completamente diferente do espaço e do tempo das ciências da natureza. É um agir único e indivisível, um alor (élan) e um .devir que não pode ser medido. Esta realidade encontra-se, em principio, em constante fluir, nunca é, mas perpetuamente devém.

A faculdade humana que corresponde à matéria espacial é a inteligência, e esta caracteriza-se por sua exclusiva orientação para a ação. É a ação que comanda, sem mais, a forma da inteligência. Como para a ação necessitamos de coisas exatamente definidas, o objeto principal da inteligência é o fixo corpóreo, inorganizado, fragmentário; a inteligência não concebe claramente senão o imóvel. Seu domínio é a matéria. Ela a capta para transformar os corpos em instrumentos; é o órgão do homo faber e subordinado, essencialmente, à construção de instrumentos. Dentro do domínio da matéria e graças à sua afinidade essencial com a matéria, a inteligência não só capta os fenômenos, como também a essência das coisas. abandona o fenomenismo de KANT e dos positivistas, e confere à inteligência, no domínio do corpóreo, a capacidade de penetrar na essência das coisas. Segundo ele, a inteligência é também analítica, ou seja, capaz de decompor segundo qualquer lei ou sistema e de recompor de novo. Suas características são a clareza e a capacidade de distinguir.

Mas, ao mesmo tempo, a inteligência caracteriza-se igualmente pelo fato de, por natureza, lhe ser impossível compreender a duração real, a vida. Constituída de acordo com a matéria, ela transfere as formas materiais, extensivas, calculáveis, claras e determinadas, ao mundo da duração; interrompe a corrente vital única e introduz nela a discontinuidade, o espaço e a necessidade. Não pode sequer comprender o simples movimento local, como o provam os paradoxos de ZENÃO.

Só podemos conhecer a duração graças à intuição; mas com ela conhecemo-la diretamente e como algo íntimo. A intuição distingue-se por características que se contrapõem às características da inteligência. Órgão do homo sapiens, a intuição não está ao serviço da prática; seu objeto é o fluente, o orgânico, o que está em marcha; só ela pode captar a duração. Enquanto a inteligência analisa, decompõe, para preparar a ação, a intuição é uma simples visão, que não decompõe nem compõe, mas vive a realidade da duração. Não se adquire facilmente a intuição; tão habituados estamos ao uso da inteligência que se torna necessária uma viragem íntima violenta, contrária a nossas inclinações naturais, para podermos exercitar a intuição, e só em momentos favoráveis e fugazes somos capazes de o fazer.

Em , existem dois domínios: de um lado, o domínio da matéria espacial e rígida, subordinado à inteligência prática; de outro lado, o domínio da vida e da consciência que dura, ao qual corresponde a intuição. Sendo a atitude da inteligência exclusivamente prática, a filosofia não pode utilizar senão a intuição. Os conhecimentos, obtidos por este meio, não podem ser expressos em idéias claras e precisas, nem tampouco são possíveis as demonstrações. A só coisa, que o filósofo pode fazer, é ajudar os outros a experimentarem uma intuição semelhante à dele. Assim se explica a riqueza de imagens sugestivas que as obras de oferecem.

C. TEORIA DO CONHECIMENTO E PSICOLOGIA. aplicou seu método intuitivo em primeiro lugar aos problemas da teoria do conhecimento. Tais problemas, diz ele, receberam até ao presente três soluções clássicas: o dualismo corrente, o kantismo e o idealismo. Contudo, estas três soluções estribam totalmente na falsa afirmação de que a percepção e a memória são puramente especulativas, independentes da ação, quando na realidade são completamente práticas, subordinadas à ação. Por sua vez, o corpo não é mais do que um centro de ação. Destes princípios se infere que a percepção não abarca senão uma parte da realidade; ela consiste, de fato, numa seleção de imagens, das que são necessárias para cumprir a ação. O idealismo engana-se; os objetos, de que o mundo se compõe, são "imagens verdadeiras" e não únicamente elementos da consciência. Tanto o realismo habitual como o de KANT cometem erro ainda maior, ao situarem entre a consciência e a realidade exterior o espaço homogêneo, que consideram como indiferente. De fato, o espaço é só uma forma subjetiva, em correspondência unicamente com a ação humana.

consolida sua teoria do conhecimento mediante uma psicologia definida. Em primeiro lugar, repudia o materialismo, que tira toda sua força do fato de a consciência depender do corpo - como se, do fato de um vestido oscilar e cair com o gancho a que está suspenso, tivéssemos de concluir que o vestido e o gancho são idênticos. Entre os fenômenos psicológicos e os fisiológicos não existe sequer um paralelismo, o qual, aliás, nada provaria. A prova disto é a memória pura. Com efeito, importa distinguir dois tipos de memória: uma memória mecânica, corporal, que consiste unicamente na repetição de uma função tornada automática, e a memória pura, que reside nas imagens da lembrança. Neste caso, não se pode falar de uma localização no cérebro, argumento principal aduzido pelos materialistas. Se houvesse uma tal localização exata, deveriam perder-se porções inteiras da memória por causa de certas lesões cerebrais; na realidade muitas vezes só se verifica um enfraquecimento geral da memória. Mais acertadamente talvez se pudesse comparar o cérebro a uma espécie de gabinete destinado a transmitir sinais. Sua função não é a vida propriamente espiritual. Por seu turno, a memória não é uma percepção atenuada, mas um fenômeno essencialmente diferente.

. . .

http://www.consciencia.org/bergsonbochenski.shtml

Nenhum comentário: